“Não sou o bonzinho que todo mundo pensa. Fico na minha,  observando. Sei tudo o que acontece e o que falam à minha volta. Mas sou  de escorpião. Uma hora saio do meu canto e dou minha ferroada. Isso  serve até de aviso (risos)”.
Em  sua primeira cena na TV, Reynaldo Gianecchini aparecia dirigindo um  carro conversível, atravessando o Elevado do Joá em direção ao Leblon,  celular no ouvido, regata vermelha e um sorriso avassalador. Corta. Na  primeira cena de “Passione”, o ator
dirigia um carro caindo aos pedaços pela Marginal Tietê, em direção ao  Centro de abastecimento de São Paulo, enquanto falava ao celular, num  tom quase irritado. Tirando o aparelho móvel e o fato de estar atrás do  volante, muita coisa mudou na vida do moço nos últimos dez anos. De ator  iniciante, criticado duramente por ter mais estampa que estofo para  protagonizar uma novela em horário nobre, a vilão todo-poderoso das  oito, Gianecchini percorreu uma estrada sinuosa, que muitas vezes  insistiu em evidenciar
apenas seu rostinho bonito, que continua lindo, claro…
— Se pudesse, faria o Edu (personagem de “Laços de família”)  novamente. Com mais bagagem, com outra leitura. Quando estreei era um  caos, foi muito difícil para mim.
Estudei muito, desenvolvi técnicas que, na época, desconhecia. Mas nunca  fui muito de ligar para o que os outros diziam. Minha autocrítica é  muito mais feroz — avalia.
Apesar da tal autocrítica, atualmente, Gianecchini já se permite  gostar realmente do que vê na telinha, e a curtir o que acontece na pele  de Fred, personagem escrito especialmente para ele por Sílvio de Abreu:
— Tento me assistir sempre. E tem cenas em que eu digo: sim, foi  bacana. Já me permito relaxar mais. Tão relaxado que, ao saber que  poderia ser um dos possíveis assas
sinados na novela, comemorou. Afinal, seria uma virada e tanto o vilão desaparecer no meio da história.
Mas, de vítima, o personagem passou a ser um dos principais suspeitos  da morte de Saulo (Werner Schünemann). Para Gianecchini, mais um  mistério que cerca a própria
personalidade de Fred, a quem considera um psicopata. Se muitos acham  que Clara (Mariana Ximenes), a outra ponta da maldade, tem jeito,  Gianecchini não acha o mes-
mo de Fred.
— Não o defendo. Não creio que ele seja capaz de se redimir. É um  homem com um único objetivo na vida, que é o de vingar a morte do pai,  mas já nem sei se é este mesmo o grande motivo. Quando conseguir se  vingar, vai querer parar? É um personagem de muitas nuances, que sorri  para as pessoas enquanto por dentro está maquinando como destruí-las.  Ele é complexo, o que o torna ainda mais saboroso —
observa ele, que vê pelo menos algo de genuíno no personagem, além da  vingança: — Acredito que, em algum momento, vai descobrir que ama Clara  de verdade. É a única mulher que o conhece de fato, que sabe de suas  fraquezas e foi sua cúmplice o tempo todo.
“Na minha opinião, Gerson é culpado de muita coisa”
Para Gianecchini, Fred, assim como tantos outros, teriam motivos de  sobra para despachar Saulo desta para algum lugar no inferno. Mas o ator  aposta suas fichas em outra pessoa. Quase insuspeita, para a maioria.
— Sempre desconfiei do Gerson (Marcello Antony). A gente não sabe que  tipo de relação ele teve com o pai, tem algo estranho no comportamento  dele, visto os problemas sexuais do passado…. Além disso, quem sabe ele  não seja o mentor de tudo, e esteja por trás do Fred? Na minha opinião,  Gerson é culpado de muita coisa — aponta.
Saboroso, vingativo e, por que não, divertido? No fim das contas,  Fred dá raiva, mas também faz graça. Tanto que, nas ruas, Gianecchini  nunca foi atacado, xingado e sequer levou uma bolsadinha.
— As pessoas têm outra relação com os vilões hoje em dia. Até achei  que pudesse rolar uma raiva, mas não. Quando chegam é para falar do  trabalho, que estão gostando — conta.
Mas não seriam estas reações ao próprio Reynaldo Gianecchini, cara de  bom moço, sonho de consumo de toda sogra e que ainda por cima chama a  mãe de “bem” e pede bênção ao telefone?
— Será? Pode ser… As pessoas têm uma imagem de mim, de um cara correto, que sempre fez personagens do bem. Pode ser, isso sim.
Malvado sim e sexy até a última gota de suor, Fred poderia ter dado  ao ator um assédio nunca antes visto na sua história. Apesar de muitas  suspirarem por ele, que em “Passione” já apareceu, invariavelmente sem  camisa, em arrochos memoráveis com Clara, era o borracheiro Pascoal, de  “Belíssima” que tirava a mulherada do prumo.
— Acho que rolava um assédio maior, porque tinha mais fetiche —  diverte-se ele, que não vê problemas em fazer cenas sensuais e sexuais: —  Estão no contexto. Com a Clara é aquela coisa de fogo e gasolina mesmo.  Eles têm pele, atração física, e não tem nada gratuito.
Se com Clara tudo flui numa boa, para fazer cenas em que Fred detona Bete e Totó, Gianecchini se concentra mais.
— Imagina, estou xingando o Tony Ramos e a Fernanda Montenegro! Duas  pessoas amadas por esse país todo e por mim — conta ele, com mais um de  seus sorrisos matadores.
Talvez pela liberdade de ver alguém fazendo o diabo com dois dos  maiores atores brasileiros, seja tão instigante ver Gianecchini em cena.  Afinal, muito do que Fred pensa e fala, poderia estar na boca de  qualquer um num dia de fúria:
— Esse descompromisso com a ética e a total falta de escrúpulos do  Fred, além de fazer refletir, porque provavelmente existem muitos dele  por aí, também liberta. Quantas vezes a gente tem que ser correto, não  expressar certas opiniões pela posição que ocupa?
Para se defender de tanta carga emocional, Gianecchini malha. É  suando na academia que ele se livra da aura de maldade do personagem.
— Faço cenas muito pesadas, não só no sentido dos sentimentos ruins  dele, mas de toda hora o Fred estar praticando suas duas caras. Não é  nada fácil — admite ele, que, prestes a completar 38 anos, jura que a  idade ainda não o incomoda: — Enquanto estiver bem, saúde boa, corpo em  dia, está tudo ok. Quando sentir que alguma coisa despencou, será hora  de correr mais atrás
O Globo