No dia 28 de outubro de 2002, 24 horas depois de superar Serra  nas urnas, Lula sentou-se ao lado de William Bonner, no estúdio da Rede  Globo em São Paulo, e ali ficou do início ao fim do “Jornal Nacional”.  Respondeu a perguntas do apresentador e de Fátima Bernardes, que estava  no Rio, além de acompanhar e comentar reportagens exibidas. Ao final,  depois de ouvir o “boa noite” de Fátima, ainda atendeu a um pedido de  Bonner para mandar “sua mensagem aos milhões de brasileiros que nos  acompanham aqui”.
Lula, na ocasião, foi muito criticado por privilegiar um veículo,  ainda que líder de audiência, em detrimento de outros. A entrevista  também foi questionada por um aspecto que acabaria sendo uma marca do  futuro presidente – o seu jeito informal, pouco cerimonioso, em  aparições públicas.
Oito anos depois, no dia 1º de novembro de 2010, a presidente eleita  Dilma Rousseff também se sentou ao lado de William Bonner no dia  seguinte à eleição. Mas houve algumas novidades em relação ao gesto de  Lula.

Quarenta  minutos antes de sua aparição no JN, Dilma surgiu, ao vivo, no “Jornal  da Record”. Por 15 minutos, iniciado com um “boa noite, TV Record”, a  presidente eleita conversou com as jornalistas Ana Paula Padrão e  Adriana Araújo em um ambiente caseiro não identificado. Antes, durante e  depois, a emissora sublinhou se tratar da “primeira entrevista de  Dilma”.
Ainda na segunda-feira, segundo relatou o jornalista Fernando Rodrigues em seu blog  e no Twitter, Dilma gravou entrevistas com outras duas emissoras  (RedeTV e TV Brasil) e programou duas conversas para esta terça-feira  (Band e SBT).
Dilma não fez nenhuma revelação importante nas entrevistas, mas elas  chamaram a atenção por tratarem, de forma distinta, de um mesmo tema:  liberdade de imprensa. No JR, Adriana Araujo disse:
Eu queria falar um pouco da imprensa. Nesta campanha,  a senhora reclamou algumas vezes de algumas reportagens e da cobertura  de parte da imprensa, que fez críticas muito duras a senhora, com apoio  declarado ou velado a José Serra. Em algum momento a senhora se sentiu  perseguida? Desrespeitada?
E Dilma respondeu:
Eu me entristeci em alguns momentos, mas acho que não  cabe, por parte de uma pessoa pública, qualquer nível de crítica,  tentando coibir o que a imprensa disse ou deixou de dizer. Eu prefiro as  vozes críticas do que o silêncio das ditaduras. (…) Não tenho nenhuma  complacência com qualquer processo de inibição de manifestação da mídia  por qualquer motivo que seja. Aliás, sempre brinco que controle remoto  na mão do espectador é o melhor que pode ter por parte da população em  relação à mídia. Ele decide ao que vai assistir, o que vai ler. 

No  JN, Dilma ficou ao lado de Bonner por 25 minutos. Como ocorreu com Lula  em 2002, respondeu a perguntas e assistiu a diferentes reportagens  sobre a sua eleição. Chegou a brincar com o apresentador. “É uma  novela?”, perguntou. Pego de surpresa, Bonner respondeu: “É quase isso.  Bom, poderia ser uma novela de grande sucesso.”
Ao final do encontro, Bonner disse:
A senhora disse ontem e repetiu aqui durante essa  entrevista, uma defesa à liberdade de imprensa. Nós aqui estamos  entendendo a sua presença no Jornal Nacional como uma demonstração  enfática disso, e queremos dizer que nós da imprensa aguardamos diversas  oportunidades como essa. Está certo, talvez não precise nem vir até  aqui, mas que nos abra a oportunidade de uma conversa franca, porque faz  parte da democracia que a senhora mesma defendeu.
Ao que a presidente eleita respondeu:
Faz parte da democracia. Eu acho que o Brasil pode  dar uma demonstração de muita vitalidade com a imprensa livre que nós  temos e com essa relação em que, muitas vezes, as críticas existem e eu  acredito que elas cumprem um papel no Brasil. Pode ter certeza que da  minha parte a minha relação com a imprensa vai ser sempre uma relação  respeitosa.
Para entender um pouco mais o que foi dito e o que ficou nas  entrelinhas, é preciso levar em conta que, nestes oito anos, a Rede  Record ultrapassou o SBT e se tornou a segunda principal emissora do  país, em termos de audiência, com uma postura de claro confronto com a  Globo. A Igreja Universal, a qual pertence a rede, manifestou  abertamente apoio ao governo Lula e pastores pediram votos a Dilma  durante os cultos, nos últimos meses.
por Mauricio Stycer às 13:55