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Como – e por que – a Rede Globo celebra a classe média emergente em suas duas principais novelas
Mariana Zylberkan - Veja Online.
Na história da Globo, é possível encontrar alguns poucos casos de trama com perfil semelhante. Bandeira 2 (1971), de Dias Gomes, foi ambientada no bairro carioca de Ramos, e Uma Rosa com Amor (1972) se passou num cortiço. Dona Xepa (1977) tinha uma feirante como protagonista. O perfil dos personagens de Avenida Brasil, no entanto, é inédito entre as novelas das nove dos últimos dez anos, como revela levantamento feito pelo site de VEJA.
Isso forçou cenografistas, figurinistas e produtores da emissora a pensar diferente (veja o infográfico abaixo). O calçadão do Leblon, a bossa nova de João Gilberto e os restaurantes finos têm dado lugar aos diálogos no banco da lotação, ao churrasquinho na laje e à combinação de pagode, forró e tecnobrega. As casas de personagens centrais como Carminha (Adriana Esteves), em Avenida Brasil, primam por uma ostentação exagerada não necessariamente alinhada com o bom gosto clássico. No horário nobre atual, também reina o combo jeans justo, blusa curta e acessórios coloridos. A empregada doméstica Penha (Taís Araújo), de Cheias de Charme, é a maior representante desse estereótipo da moda na periferia.
Parte da audiência se sentiu incomodada. Para essa parcela do público, a Globo ficou brega. E isso é a mais pura verdade quando se pensa nas trilhas sonoras. A música-tema de Avenida Brasil se chama Vem Dançar com Tudo e carrega o refrão-chiclete “Oi,oi,oi/Oi,oi,oi”. Interpretada pela dupla Robson Moura e Lino Krizz, é uma versão para a família brasileira de Vem Dançar Kuduro, de Lucenzo, que faz referência à coreografia angolana kuduro, batizada assim porque, supostamente, endurece o derrière. “Há uma valorização das preferências da classe C, e isso é uma mudança considerável”, diz Maria Cristina Palma Mungioli, pesquisadora do Centro de Estudos da Telenovela da Universidade de São Paulo (USP).
Mas seria exagero dizer que a Globo traiu a linguagem que depurou ao longo de décadas. Ao contrário do que afirmou Silvio de Abreu, quando disse que atualmente as novelas demoravam a decolar porque a classe C tem raciocínio lento, Avenida Brasil começou com uma trama extremamente ágil e não abre mão do comentário social que sempre marcou as melhores tramas do horário.
É claro que há cálculo nessa aposta até agora bem sucedida da Globo (Avenida Brasil tem audiência próxima dos 40 pontos e Cheias de Charme marcou 33 pontos na estreia, em 16 de abril, uma performance superior à da antecessora Aquele Beijo, que marcou 30 pontos no capítulo final). A emissora está atenta a uma oportunidade de mercado. Nos últimos sete anos, 40 milhões de pessoas ascenderam das classes D e E para a C. Um público consumidor que ninguém quer perder. E o meio publicitário está ávido de canais para estabelecer a comunicação entre seus clientes e a classe C. “É natural que a TV aberta crie espaço para os novos conteúdos publicitários poderem falar a língua desse público”, diz Luiz Fernando Vieira, sócio da agência de publicidade África.
A fabricante de meias e artigos esportivos Lupo e a marca de secadores e chapinhas Taiff não hesitaram em usar as cenas de Avenida Brasil para fazer merchandising. A primeira investiu10 milhões de reais para estampar seu nome no uniforme do Divino, time de futebol da série B em que joga Jorginho (Cauã Reymond), e também nos itens vendidos na loja de Diógenes (Otávio Augusto), no subúrbio de Avenida Brasil. E já registrou aumento de 16% nas vendas, de acordo com o diretor comercial Valquírio Cabral Júnior. A Taiff, por sua vez, aplicou 60% de sua verba de marketing anual no salão de beleza de Monalisa (Heloísa Périssé). “É uma cabeleireira que venceu obstáculos e com trabalho alcançou o sucesso na sua carreira profissional”, diz César Tsukuda, diretor-comercial da marca, lembrando um dos valores da classe C: o empreendedorismo.
Não apenas as novelas são submetidas a esse banho de Casas Bahia. As séries, com a chegada no ano passado de Tapas & Beijos, protagonizada por Andrea Beltrão e Fernanda Torres e com trilha cantada por Joelma, do Calypso, estão fortes nesse front. Também a troca de Fátima Bernardes por Patrícia Poeta na bancada do Jornal Nacional, em dezembro, fez parte desse processo. Segundo o consultor Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular, Patrícia é mais “cheia de curvas”, um tipo físico com o qual a classe C se identifica mais. Isso explica por que peças do figurino da apresentadora estão entre as mais requisitadas à Central de Atendimento ao Telespectador (CAT), da Globo. As roupas, joias e cortes de cabelo de Patrícia Poeta são copiados pelas espectadoras. Um vestido preto usado por ela no Fantástico foi o item mais pedido à CAT em 2010 e seu nome figura em destaque nas listas dos anos posteriores.
Oficialmente, a Globo assume apenas discretamente o movimento pró-classe C. Mas também não o desmente. “A emissora sempre teve a preocupação de fazer uma programação para a família brasileira. O que acontece agora é que, por um conjunto de variáveis econômicas, as classes populares vêm incrementando sua participação na sociedade e sofrendo mudanças de hábito e de comportamento. Como é natural que queiram ver esse movimento refletido na televisão, estamos atentos”, diz nota enviada pela Central Globo de Comunicação.
Cultura brasileira ladeira abaixo.
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